Uma pesquisa feita pela CVM mostrou que apenas 64% consideram critérios ESG para investir
- É necessário aumentar a didática, a transparência e o acesso às informações relevantes sobre o impacto das práticas ESG nos investimentos, nas empresas, na sociedade e na vida das pessoas.
- Ter boas práticas de governança significa montar uma estrutura que favoreça o cuidado de forma sustentável e permanente.
Alguém tem dúvidas de que cuidar do planeta, controlar as mudanças climáticas, evitar condições meteorológicas extremas, erradicar a fome e a pobreza e trabalhar a inclusão e a diversidade trará benefícios e retornos maiores para todos – investidores, empresas, pessoas – no longo prazo? Se parece tão obvio, por que há dificuldades na implementação das ações ligadas ao ESG (sigla para ações ambientais, sociais e de governança)?
Uma pesquisa feita pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) com investidores, em 2021, mostrou que apesar de 94% dos entrevistados conhecerem o conceito, 64% consideram os critérios ESG na escolha dos investimentos. Quando a pergunta incluiu a frequência com que isso é feito, o volume investido caiu para menos de 30%.
Entre os principais fatores levantados pelos participantes para não considerar os critérios ESG em seus investimentos estão: dificuldades em obter informações, falta de confiança nas informações, falta de entendimento do impacto financeiro sobre o mercado.
O descasamento entre o discurso e a ação mostra que a intenção é necessária, mas não é suficiente para a implementação das práticas ESG. Do ponto de vista psicológico, são três os elementos necessários para ocorrer mudança comportamental em qualquer indivíduo:
1) atitude – definida como alinhamento aos valores pessoais, como pré-disposição do indivíduo à ação;
2) percepção de controle, proximidade e domínio do tema;
3) mudança nos estímulos do entorno, da cultura e dos reforçadores sociais envolvidos.
A proximidade e sensação de domínio do assunto são conquistadas por meio de aprendizagem e conhecimento, o que abre um espaço importante para educação financeira em ESG de investidores e do público em geral. É necessário aumentar a didática, a transparência, o acesso às informações relevantes sobre o impacto das práticas ESG nos investimentos, nas empresas, na sociedade e na vida das pessoas.
No entanto, o principal desafio está no terceiro elemento de mudança comportamental: a transformação cultural, das crenças e dos reforçadores sociais. ESG, muito além dos cuidados ambientais, sociais e de governança, implica em duas grandes transformações comportamentais: a mudança do olhar de curto para longo prazo e do olhar individual para o coletivo.
A natureza humana carrega em si, como resultado da história da evolução da espécie, o instinto de sobrevivência e de autopreservação, o que remete a comportamentos de curto prazo e de satisfação dos próprios interesses. E, para agravar, cenários de instabilidade e de incertezas apimentam e potencializam as escolhas impulsivas, imediatas e individualistas.
Para que as pessoas usufruam e adotem comportamentos de longo prazo é necessário aumentar a sensibilidade aos efeitos da maior magnitude dos resultados no tempo, assim como estimular a cooperação. Empresas com ambientes muito competitivos em sua cultura e/ou com estímulo às metas de curto prazo terão dificuldade em desenvolver nos colaboradores repertórios comportamentais ESG.
Há espaço, também no mercado financeiro, para estimular investimentos colaborativos, para dar mais acesso a informações de impacto em plataformas de investimentos e a dar estímulos reforçadores de longo prazo nas telas operacionais.
Há um apelo muito forte hoje a práticas de “day trading” e à competição entre “ursos” e “touros”, quando o melhor espírito investidor ESG é ser fonte de financiamento para o crescimento da economia real. O ser humano tem uma tendência primária às escolhas imediatistas, mas diferencia-se de outros animais, pela capacidade em desenvolver repertório para escolhas melhores e de compromisso com resultados de maior valor e sustentabilidade.
Muito além do retorno nos investimentos, da gestão de risco e do zelo por boas práticas, falar em ESG é falar do cuidado com pessoas. Zelar pelas práticas ambientais e sociais é no fundo cuidar de gente. Ter boas práticas de governança é montar estrutura que favoreça o cuidado de forma sustentável e permanente. Sendo assim, para obter sucesso, é fundamental a ação de todos pelo coletivo, empresas, instituições financeiras e o governo. Faz-se necessário o trabalho conjunto pelas mudanças culturais, no mercado e na sociedade, para estabelecer comportamentos ESG de colaboração e visão de longo prazo com retornos maiores no tempo.