Metaverso: decifre-o ou seja devorado por ele

Quais podem ser as implicações psicológicas do Metaverso?

  • Metaverso representará profundas experiências de simulações mentais, que poderão impactar no registro afetivo de memórias e na construção de percepções da realidade.
  • Ao mesmo tempo em que o Metaverso poderá ajudar nos processos de aprendizagem e de mudança comportamental positiva, poderá conduzir a situações de distorções do contato humano com a realidade.

Nós, humanos, temos a capacidade extraordinária de interpretar fatos e estímulos do mundo, atribuir significados e registrar experiências vividas na memória. Temos também a incrível habilidade de projetar cenários em nossas mentes, através de simulações.

Simulações mentais fazem parte da rotina do nosso dia a dia, quando planejamos atividades, organizamos decisões de curto, médio e longo prazo e visualizamos o futuro. Tudo isso sem sair do lugar.

Para haver simulação mental é necessário usar a imaginação e ter foco na autoconsciência, ou seja, usar concentração e atenção nos pensamentos e eventos na mente.

Os ensaios mentais são práticas tão valiosas que são considerados divisores de águas para que um atleta atinja a alta performance. Por meio de treino mental, pode-se efetuar mudanças no  comportamento e auxiliar o processo de aprendizagem. Um atleta pode pensar, imaginar eventos e treinar habilidades sem qualquer ação de movimento real.

Por outro lado, a simulação mental, que é tão preciosa para tomada de decisões e resolução de  problemas, pode se tornar desadaptativa e prejudicial se for praticada de maneira ansiosa com distorções da realidade. Ficar preso a pensamentos ruminativos e distorcidos pode gerar intenso sofrimento.

Em uma linha tênue do uso ruminativo e disfuncional das simulações mentais está a alucinação, que ocorre quando o indivíduo identifica algo que não existe como parte da realidade por meio de distorção de percepção.

Durante um episódio de alucinação, a pessoa que sofre desse transtorno psicológico vivência como reais fatos totalmente impossíveis e chega a ouvir vozes, ver objetos, sentir  gostos, cheiros inexistentes e ter sensações táteis.

E como fica o Metaverso nisso tudo? Se, atualmente, as redes sociais funcionam como veículos para o ambiente virtual, no Metaverso haverá muito mais imersão. Ao colocar os óculos de realidade virtual, equipados com fones de ouvido e sensores, indivíduos mergulharão em um mundo fictício, de realidade aumentada, onde os órgãos dos sentidos serão intensamente estimulados por meios audiovisuais, sensoriais, por imagens, objetos e avatares holográficos tridimensionais.

Em termos psicológicos, o Metaverso representará profundas experiências de simulações mentais, que poderão impactar no registro afetivo de memórias, no desenvolvimento de comportamentos, nas interações sociais e na construção de percepções da realidade.

Ao mesmo tempo em que o Metaverso poderá ajudar nos processos de aprendizagem e de mudança  comportamental positiva, poderá conduzir a situações de distorções do contato humano com a realidade.

Os pontos de atenção da nova tecnologia estão na captura da mente, do foco atencional para uma simulação manipulada e não escolhida, além da intensidade em que tudo isso poderá acontecer.

Imaginar e fantasiar são fundamentais desde a infância, para ampliar a visão de mundo e ter contato com sentimentos e emoções. Mas, para que isso ocorra de forma saudável, é necessário a liberdade de fazê-lo junto com a troca social das interações humanas que mediam e estabelecem uma negociação e limites entre a visão interna e a existência do outro.

Skinner, importante psicólogo norte-americano, dizia que é impossível libertar-se do controle que o ambiente externo exerce sobre você, mas que o autoconhecimento pode permitir que você faça escolhas pelos melhores ambientes e situações nas quais você se coloca e, assim, conseguir atingir a liberdade de controlar aquilo que te controla e obter melhor qualidade de vida.

Sendo assim, através do Metaverso, abre-se à nossa frente mais uma tecnologia disruptiva que irá exigir de nós humanos uma capacidade ampliada de autoconhecimento e autocontrole. “Decifra-me ou te devoro” já fazia parte do desafio da Esfinge de Tebas, na mitologia grega.